08/10/2017

begin again: capítulo 9


Problems

Ninguém viu Daisy MacArthur por dias. A última vez que alguém ouviu falar dela foi há quase duas semanas, quando ela cancelou o horário marcado com Selena. Desde então, tentei ligar e mandar mensagem, mas fiquei sem resposta. Um pedaço de chumbo pesa no fundo da minha barriga quando penso em todas as coisas que podem ter dado errado.
Cada uma delas se resume à mesma raiz: Darren.
Seu namorado babaca e marginal paira para dentro e fora da vida dela como um pacote de batata-frita ao sopro do vento. Toda vez ele causa estragos e depois desaparece, deixando Daisy para recolher os cacos de sua vida despedaçada. Cada vez fica mais difícil. Ela acha que são amantes destinados a ficar juntos como se estivesse escrito nas estrelas, mas separados pela vida. Na mente dela, ele é seu Lorde Byron, seu Romeu. Não Darren Tebbit, traficante de drogas local e imbecil em toda parte.
Daisy foi criada por uma mãe solteira em um apartamento de moradia popular não muito longe daqui. Quando tinha apenas 12 anos, viu a mãe morrer, uma morte lenta e demorada de câncer de pulmão. Seus quatro anos seguintes foram passados no sistema de assistência social, empurrada de orfanato para orfanato, e tudo de novo. Não admira que ela fosse seduzida pela ideia de um príncipe no cavalo branco que viesse ao seu resgate.
Nunca me disse quem é o pai de Charlotte e nunca perguntei. Acho que ela vai me dizer quando estiver pronta, ou se for algo importante para ela. Tudo o que sei é que ela teve Charlotte com 16 anos, o momento certo para conseguir uma moradia do governo paga pelo serviço social. O pai poderia ter sido outra criança da casa ou da escola. Talvez um professor ou um assistente social. Eu honestamente não faço ideia. Ela não foi a primeira adolescente no sistema a pensar que um bebê iria resolver todos os seus problemas.
Mesmo que Simon me matasse se soubesse que estou aqui, chego ao conjunto de apartamentos às 14h na sexta-feira. O sol está desesperadamente tentando penetrar o cinza das nuvens densas que encobrem o céu há dias, emprestando a elas um pálido tom cor de limão. É muito mais bonito que o tom de ardósia monótono do prédio de concreto.
Construído como parte de um experimento social que floresceu no Reino Unido na década de 1960, a torre permanece como um memorial ao excesso de otimismo. Um dia no passado, houve vasos de flores e plantas pendurados nas grades que circundam o edifício. Agora há roupa secando. Passarelas dão a volta no bloco de apartamentos, imaginadas como “ruas no céu” e é melhor serem evitadas durante a noite. É nelas que acontece o tráfico, onde as gangues lutam por território. Esta é a Inglaterra que nós, cidadãos de classe média, esquecemos que existe.
Não pego o elevador até o 4º andar. Não está funcionando, mas também tenho medo de ficar presa lá dentro, entre o lixo e o cheiro de urina. Se for realmente sincera comigo mesma, também não quero ficar presa lá com outro morador. Eles me deixam apavorada. Mesmo vestida com jeans e um casaquinho, calçando botas comuns, com o meu cabelo preso em um coque bagunçado, é claro que não sou daqui. Não acho que seja minha roupa ou minha maquiagem, é apenas a aparência do meu rosto. É muito limpo e brilhante, não marcado por uma vida de pobreza e desespero. Vir aqui me faz perceber como tenho sorte.
Quando chego ao 4º andar, estou sem fôlego. Tenho de recuperar um pouco de oxigênio antes de abrir a porta da escada e sair para a varanda que dá a volta no andar e liga todos os apartamentos. Aqui não é tão assustador durante o dia, embora eu ainda seja cautelosa quando passo por um grupo de rapazes debruçados na proteção da varanda, fumando, seus olhos escuros me acompanham. Lanço um olhar para eles, o suficiente para compreender que, apesar do cigarro, das barbas ralas, todos eles deveriam estar na escola.
Claro, sou muito covarde para dizer qualquer coisa.
Daisy vive no 422, mais ou menos na metade do bloco. Quando chego lá, observo que as cortinas estão fechadas. O vidro da janela está tão sujo que toda a luz que o tecido fino deixa passar deve ser obscurecida pela sujeira. Duas batidas na porta fazem com que algumas manchas de tinta vermelha descascada caiam no chão de concreto. Depois de esperar por um minuto, bato novamente, mas ainda não há resposta.
Vacilo sobre o que fazer em seguida. Talvez eu devesse deixar um bilhete ou esperar que Daisy volte, mas estou com muito medo de ficar aqui por muito tempo. Bato uma última vez e grito o nome dela, certificando-me de que ninguém aqui fora possa me ouvir, mas não tenho sucesso.
Então há um rangido alto assim que a porta do apartamento ao lado se abre. Uma mulher espreita pela abertura, levantando a mão para afastar uma mecha de cabelo castanho oleosa do rosto. Ela olha para mim com os olhos apertados.
– Você é do conselho? – ela pergunta, desconfiada.
– Não – nego com a cabeça rapidamente.
Ela levanta uma sobrancelha desenhada a lápis.
– Serviço social?
– Sou amiga da Daisy. Sabe onde ela está?
Ela ainda está me encarando. Seus olhos lentamente me percorrem de cima a baixo, observando minhas roupas, meus sapatos, minha postura.
– Sei.
Olhamos uma para a outra e demoro um minuto para perceber que ela não vai continuar falando.
– Onde?
– Quem quer saber?
Dou um passo em direção à mulher e paro assim que noto o cachorro enorme que está bem atrás dela. Não entendo muito bem de raças, mas parece o cruzamento de um lobo e um dobermann.
– Meu nome é Demi. Conheço Daisy e Charlotte. Só quero ter certeza de que ela está bem.
– Levaram a menina embora.
– Eu sei. Mas a Daisy, ela está bem? Você a viu? – não sei se é a minha persistência ou se é o brilho da minha preocupação genuína, mas observo sua expressão descongelar um pouco.
– Faz dias que ela não sai. Não desde que o namorado foi embora.
– Darren foi embora?
– Foi, e já foi tarde para caramba, se quer saber minha opinião. Indo e vindo a qualquer hora do dia, trazendo pessoas más com ele. Um cretino.
Tento um sorriso compreensivo, mas meu estômago dá um salto. Se essa mulher está descrevendo amigos de Darren como “pessoas más”, eles devem ser verdadeiramente terríveis.
– Tem certeza de que ela está lá dentro? – inclino a cabeça para o apartamento de Daisy.
A mulher dá de ombros.
– Não sou uma vizinha bisbilhoteira nem nada, mas não a vi sair. E ela não é exatamente discreta, se é que você me entende.
Então ela está lá. Percebo que a mulher é definitivamente uma vizinha bisbilhoteira, e ela saberia com certeza se Daisy tivesse saído. Sinto o pânico começar a subir pelo meu peito. Se Daisy está sozinha e está assim há dias, não atende o telefone, então em que tipo de estado ela está?
Bato na porta com força, gritando o nome dela. Sentindo-me idiota, assustada e sozinha, exceto pela vizinha e seu cão. Engolindo minhas lágrimas de pânico.
– Ela não vai atender.
– O quê?
– Ela vai achar que você é do conselho.
– Mas eu preciso ver como ela está.
Numa boa, a mulher sai de sua porta e vem até onde estou parada. Me empurrando de leve do caminho, ela faz algo com a fechadura, que não consigo ver. Um momento depois, a porta se abre. Uma lufada de ar quente e úmido atinge minhas narinas. Minha ânsia de vômito vem mais forte do que nunca. A vizinha volta para o apartamento dela sem uma palavra, puxando o cachorro consigo, fechando a porta com um clique. Deixando-me sozinha no apartamento da Daisy. Pela primeira vez, começo realmente a sentir medo. E se Darren não foi embora de verdade? Eu só o vi uma vez, quando ele se encontrou com Daisy fora da clínica, mas havia um ar de maldade em seu olhar que me assustou e me deixou atônita. Respiro fundo e entro na sala, tentando ignorar o gosto do ar viciado.
O chão e a mesa estão repletos de embalagens de comida para viagem e latas de cerveja, e há cinzeiros transbordando com guimbas tanto de cigarro quanto de baseado. Caixas de DVD estão espalhadas em todo o móvel da TV, e há uma grande pilha de roupas no canto.
Mas nada de Daisy. Onde ela está?
Pego meu celular da bolsa e o aperto entre meus dedos suados, segurando-o como um talismã para afastar o mal. Saio da sala e entro no cômodo seguinte. Um olhar me diz que está vazio, vendo as paredes cor-de-rosa e as pilhas de brinquedos, imagino que seja o quarto de Charlotte. Saio de novo e sigo para a terceira porta. Quando chego mais perto, começo a ouvir alguma coisa. Mais do que uma respiração pesada, menos do que um gemido. Duas tossidas que soam cheias demais de líquido.
– Daisy? – empurro a porta, hesitante. Meu corpo inteiro está vivo com adrenalina. Estou a meio pensamento sensato de dar o fora daqui. Porém, quando acho que não vai haver nenhuma resposta, há outro quase gemido.
Imediatamente, percebo que é o quarto dela. Embora as cortinas estejam fechadas, são finas o suficiente para deixar entrar a luz. Ela está deitada, encolhida na cama, com as mãos agarradas à barriga. Seu olho direito está roxo e inchado, iluminado com um verde-amarelado, onde a contusão amadureceu.
Logo abaixo, a lateral da bochecha está enorme, inchada, quase com certeza quebrada novamente. Um fedor de urina e vômito permeia o ar. Tenho de cobrir a boca e o nariz com a mão livre, tentando não vomitar.
Com a outra, eu disco para a emergência.

***

Simon não fica zangado com muita frequência. Estou acostumada a seu jeito manso e suave de se comunicar. Claro, eu o vi em situação contenciosa, sendo um advogado, é quase obrigatório, embora comigo ele sempre seja um homem manuseando cuidadosamente uma frágil boneca de porcelana. Mas, desde que ele me buscou no hospital uma hora atrás, está com uma postura de leão prestes a atacar. 
Tantas vezes ele me disse que trabalhar na clínica era perigoso. Ele já me pediu antes que saísse de lá e eu segurei as pontas, dizendo que não estava em perigo. Hoje, nós dois sabemos que isso é mentira.
Talvez seja por esse motivo que eu esteja achando tão difícil. Empoleirada na beira do nosso sofá de couro, meus dedos firmemente curvados na almofada do assento, meu coração sacode no peito como um animal enjaulado. Ele anda de um lado para o outro na minha frente, uma das mãos puxando seu cabelo loiro quase branco e a outra em um punho cerrado.
– Que diabos você estava pensando? – ele para na minha frente. – Jesus Cristo, você não tem células cerebrais nessa sua cabecinha linda?
– Eu sinto muito. Eu...
Ele continua como se eu não tivesse falado:
– Quando nos casamos, você prometeu que isso não iria nos afetar. Você disse que abriria mão da clínica antes que nos afetasse.
Eu disse isso? Soa mesmo como algo que eu poderia ter dito. Mas meu coração afunda quando ouço suas palavras. Não sei se ele está sendo passivo-agressivo e tentando me fazer sair da clínica ou se está apenas pensando nas coisas em voz alta.
Permaneço em silêncio.
Ele começa a andar de um lado para o outro novamente. É rítmico, três passos para a direita, para e vira, quatro passos para a esquerda, depois para.
– Por que você não chamou alguém? Por que diabos você foi lá sozinha? Se algo tivesse acontecido com você...
Lágrimas começam a se acumular nos meus olhos. Mesmo que eu engula seco, elas começam a transbordar. Porque algo aconteceu mesmo hoje. Eu encontrei minha amiga deitada em uma poça do próprio vômito e sangue, quase morta em sua cama. Vi os hematomas, os cortes e as marcas deixadas pelas seringas em seus braços e não consigo tirar a cena da minha cabeça. Até mesmo pensar sobre o cheiro quando cheguei perto, uma mistura horrível de vômito e excremento me faz ter náuseas.
Começo a tremer, pensando em outra morte, tantos anos atrás. A maneira como Digby entrou em colapso. Como fomos responsáveis. Tudo vem à tona: a culpa, as lembranças, a dor inabalável.
– Não se debulhe em lágrimas comigo, porra.
Meus olhos se arregalam quando levanto a cabeça e encontro o olhar zangado. Simon quase nunca xinga. Mordo os lábios em um esforço para sufocar quaisquer soluços. Ele está começando a me assustar, esse Simon irritado, que grita. Parece que o meu sangue está efervescendo nas veias, todos os meus músculos parecem frouxos e inúteis. Ainda assim, as lágrimas fluem como riachos quentes pelo meu rosto. Esfriando no meu queixo.
– Simon, por favor.
– Por favor o quê? Por favor, posso ir colocar minha vida em perigo de novo? Por alguma maldita drogada que não consegue dar a mínima para si mesma?
– Daisy não é uma drogada. – eu sei que isso é mentira. – Ela é uma amiga. A mãe de alguém. Ela é importante.
Ela tem importância, claro que tem. Assim como Digby. Eu devo isso a ele.
– Você é mais importante.
– Eu também usei drogas, você sabe. – pronto, falei. Trouxe meu próprio passado à tona, antes que ele pudesse fazê-lo. Não sei por que decidi mencionar isso de novo agora.
– Não é a mesma coisa. Você não era uma drogada, você apenas experimentou. – embora seu tom fique mais baixo, seu rosto ainda está vermelho de raiva. E sei que quando ele está no controle de suas palavras pode me desmentir a qualquer momento. – Não quero que você a veja mais.
O quê? Sinto a descrença me percorrer, quase fazendo as lágrimas evaporarem.
– Você não pode estar falando sério.
– Estou falando completamente sério. Ela coloca você em perigo. Não quero você perto dela.
– Ela não me colocou em perigo. Eu fiz isso sozinha. – fui direto ao ponto. Seus lábios se contorcem com minhas palavras.
– Então você precisa escolher melhor os seus amigos.
– Desde quando você decidiu se tornar meu pai?
– Quando você começou a agir como uma criança. Você não parece estar pensando com clareza, Demi. Você foi para o pior conjunto de apartamentos em Nova York, foi até o quarto andar e depois invadiu o apartamento de uma drogada. Será que você não pensou a respeito? E se o namorado dela estivesse lá? E se ele tivesse batido em você também? Eu poderia ter perdido você.
Levantando-me, jogo meus braços em torno dele, enterrando meus soluços em seu ombro. Sua postura é rígida, seus músculos são inflexíveis.
– Me desculpe. Eu só queria saber se ela estava bem.
Ele me afasta para trás. Suas mãos envolvem meus ombros e ele olha para mim.
– Isto vai soar duro, mas eu realmente não me importo se a sua amiga está bem. Eu me importo se você está bem. E você não está. Não está bem há semanas. Se a clínica está fazendo você se sentir desse jeito, se vai ficar entre nós e afetar nosso relacionamento, então quero que você desista dela.
– Não foi a clínica que me fez sentir assim.
– Então o que foi?
Abro a boca para dizer algo, mas não sai nada. Sei que meu comportamento anda diferente. Errático, às vezes. Meu estado de espírito foi abalado de alto a baixo, e sei exatamente qual é o motivo. Contudo, não é nada que eu queira compartilhar com Simon.
Não é culpa de Joseph Jonas ter remexido tudo de um jeito que agora nem sei qual lado fica para cima. Não é culpa dele eu estar desenterrando lembranças que enterrei há muito tempo. O passado está me fazendo sentir como se tivesse uma ferida aberta. Como uma ferida que se recusa a cicatrizar.
– Eu não sei. Só estou me sentindo para baixo.
– Por que você não disse nada?
Porque não consigo deixar de pensar em outro homem e isso faz de mim o pior tipo de pessoa.
– Eu posso lidar com isso. Eu juro.
– Você não tem de lidar com isso sozinha. Sou seu marido, me deixe ajudá-la.
Eu me sinto novamente como se fosse filha dele. E, em vez de aceitar sua posição dominante sobre mim, começo a me irritar. O que antes era como uma proteção agora tem mais cara de prisão.
Não gosto nem um pouco disso.

essa Daisy cheia de problemas, será que ela irá se recuperar?
e essa briga do Simon e da Demi? ele é bem rígido.
Demi fica pensando no Joseph, meu Jemi está vivo.
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
respostas do capitulo anterior aqui.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Que bom que gostou amor.
      Vou postar novo capítulo hoje.
      Beijos, Jessie.

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  2. tô amando, mal posso esperar para o Joe e a Demi ficarem juntos!
    vi que você postou sua oneshot do projeto mas tive que sair e não pude ler na hora, quando voltei ela não estava mais disponível... você vai postar de novo? quero muito ler ❤

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    Respostas
    1. Logo eles irão ficar juntos <3
      Sobre a oneshot retirei amor e não vou postar novamente pois eu estou me dedicando a essa história. Fico muito feliz que esteja gostando da história.
      Vou postar novo capítulo hoje.
      Beijos, Jessie.

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