03/03/2018

prólogo


Dois anos atrás

O homem de moletom vermelho ficou me olhando na fila do caixa.
Eu já o tinha visto muitas vezes, inclusive mais cedo naquela segunda de manhã. Todos os dias, ele e os amigos ficavam à toa no beco atrás da mercearia onde eu trabalhava. Sempre os encontrava ali quando meu patrão me mandava amassar caixas para jogá-las fora.
O homem de moletom vermelho estava ali todos os dias com seus amigos. O grupo era
barulhento, fumava cigarros e falava muitos palavrões. Ele se destacava dos demais, pois os outros davam risadinhas e gargalhadas. Ele parecia mudo, como se sua cabeça estivesse longe dali. Seus lábios quase nunca se moviam, eu me perguntava se ele sabia sorrir. Talvez ele apenas existisse em vez de viver.
Às vezes nossos olhares se cruzavam, e eu sempre desviava o meu.
Eu não conseguia encarar seus olhos cor de um tom esverdeado, pois eram mais tristes do que os de qualquer pessoa da sua idade. Profundos, com olheiras e linhas de expressão, mas, ainda assim, ele era bonito. Uma beleza exausta. Nenhum cara deveria parecer tão cansado ou tão bonito, tudo ao mesmo tempo. Apesar de ter um aparência jovem, ele aparentava ter vivido cem anos de sofrimento e ter enfrentado conflitos pessoais muito piores do que os da maioria das pessoas.
Sua postura o denunciava: ombros caídos, cabeça baixa.
Mas nem tudo era desanimador.
Seu cabelo preto estava sempre perfeito. Sempre. De vez em quando, ele pegava um pente pequeno e passava pelas mechas como se fosse um daqueles carinhas dos tempos da brilhantina, da década de 1950. Sempre usava o mesmo tipo de roupa: camiseta branca ou preta, lisa, e, às vezes, o casaco de moletom vermelho. A calça era sempre de jeans escuro, com sapatos pretos amarrados com cadarços brancos. Não sei por que, mas, mesmo as roupas sendo simples, elas me causavam arrepios.
Suas mãos também chamavam minha atenção. Sempre seguravam um isqueiro, que ele
apagava e acendia repetidamente. Eu me perguntava se ele tinha consciência de que fazia aquilo. Era quase como se a chama do isqueiro fosse parte de sua existência.
Uma expressão entediada, olhos cansados, cabelo perfeito e um isqueiro na mão.
Que nome combinaria com um cara assim?
Hunter, talvez. Parecia nome de bad boy, coisa que ele era, imaginei. Ou Gus. Gus, o cara da brilhantina. Ou Mikey um nome fofo, o extremo oposto do que ele parecia ser, e eu gostava de coisas assim.
Mas o nome não importava.
O que importava mesmo era que ele estava de pé na minha frente. Seu rosto era mais expressivo do que em qualquer uma das ocasiões em que eu o tinha visto no beco. Estava vermelho como uma beterraba, e os dedos, inquietos. Havia certo constrangimento em seus olhos ao passar o cartão vale-alimentação de novo. Tinha sido recusado todas as vezes. Saldo insuficiente. Seu semblante foi ficando cada vez mais fechado. Saldo insuficiente. Ele mordeu o lábio.
— Isso não faz sentido — murmurou para si mesmo.
— Posso tentar passar em outra máquina, se quiser. Às vezes, elas dão defeito. — dei um sorriso, mas ele não retribuiu a gentileza. Seu rosto estava repleto de linhas de expressão.
Tinha o cenho franzido ao me entregar o cartão, uma expressão agressiva. Eu o passei em
outra máquina. Saldo insuficiente. — Aqui diz que não há dinheiro suficiente no cartão.
— Obrigado, Srta. óbvia — murmurou ele.
Grosso.
— Impossível — continuou o garoto, bufando, o peito subindo e descendo. — Nós vimos que o dinheiro foi depositado nele ontem.
Quem seria o “nós”? Não é da sua conta, Demi.
— Você tem outro cartão? Podemos tentar passá-lo?
— Se eu tivesse outro cartão, não acha que eu já teria tentado? — gritou ele, quase me fazendo pular da cadeira. Hunter. Ele só podia se chamar Hunter. Ou melhor, o bad boy Hunter. Ou, quem sabe, Travis. Li um livro que tinha um Travis, e ele era tão bad boy que tive que fechar o volume várias vezes para não enrubescer.
Ele respirou fundo, olhou para a fila de pessoas que se formava atrás de si e, em seguida, me fitou.
— Sinto muito. Não queria gritar com você.
— Tudo bem — respondi.
Não. Não está tudo bem. Sinto muito. Posso deixar essa merda aqui por um segundo? Tenho que ligar para a minha mãe.
— Sim, claro. Vou cancelar tudo por enquanto, e passaremos novamente os produtos quando você resolver o problema. Não se preocupe.
O homem quase sorriu, e eu quase perdi esse instante. Não imaginei que ele soubesse como quase sorrir. Talvez fosse apenas um rápido movimento dos lábios, mas, quando se curvaram, ele ficou tão bonito! Eu podia jurar que ele não sorria com muita frequência.
Assim que se afastou e ligou para a mãe, tentei ao máximo não escutar a ligação. Fui passando as compras dos outros clientes, mas ainda assim meus olhos e ouvidos curiosos ficaram atentos.
— Mãe, eu me sinto um idiota. Passei o cartão, e ele continua sendo recusado... Eu sei a senha. Digitei certo, sim... Você usou o cartão ontem? Pra quê? O que você comprou?
Ele afastou o aparelho e revirou os olhos antes de colocá-lo de volta no ouvido.
— Como assim você comprou trinta e dois packs de Coca-Cola? — gritou. — Que diabos
vamos fazer com trinta e dois packs de Coca-Cola? — todos no mercado olharam para ele.
Seus olhos encontraram os meus, e o constrangimento voltou ao seu rosto. Sorri. Ele franziu o cenho. Era bonito demais, do tipo que arrasa corações. Lentamente, ele virou de costas para mim e voltou para sua ligação. — O que vamos comer no próximo mês?... Sim, eu recebo amanhã, mas isso não vai ser suficiente para... Não. Não quero pedir dinheiro ao Kellan de novo... Mãe, não me interrompa. Tenho que pagar o aluguel. Não vou conseguir... Mãe, cala a boca, ok? Você gastou todo o dinheiro da comida com Coca-Cola!
Uma pausa curta. E então, movimentos raivosos com os braços.
Não! Não, não me importo se era Coca diet ou zero! — ele suspirou, passou os dedos pelo cabelo. Abaixou o telefone por alguns instantes, fechou os olhos e respirou fundo. Voltou a colocar o aparelho junto ao ouvido. — Está bem. Vou dar um jeito. Não se preocupe com isso, tá? Vou dar um jeito. Vou desligar. Não, não estou com raiva, mãe. Sim, tenho certeza. Vou desligar. Sim, eu sei. Está bem. Não estou com raiva, está bem? Desculpe por ter gritado. Sinto muito. Não estou com raiva. — sua voz se tornou muito baixa, mas eu não conseguia deixar de ouvir. — Sinto muito.
Quando ele se virou para mim, eu tinha terminado de atender o último cliente da fila. Ele se aproximou, passando a mão pela nuca.
Não vou conseguir comprar essas coisas hoje. Desculpe. Vou colocar tudo de volta nas prateleiras. Desculpe. Desculpe. — ele continuou se desculpando.
Meu coração ficou apertado.
— Tudo bem. Sério. Eu cuido disso. Já terminei o trabalho aqui mesmo. Vou colocar tudo no lugar.
Ele franziu o cenho novamente. Eu queria que ele parasse de fazer aquilo.
— Certo. Desculpe.
Eu também queria que ele parasse de pedir desculpas.
Quando ele foi embora, espiei o interior das sacolas. Ver aqueles itens ali dentro partiu meu coração. Somavam um total de onze dólares; nem isso ele podia pagar. Macarrão instantâneo, cereais, leite, manteiga de amendoim e pão coisas que, de tão essenciais, eu não pensaria duas vezes antes de comprar. Você nunca se dá conta das coisas boas que tem até ver o que outra pessoa não pode ter.
— Ei! — gritei, indo atrás dele no estacionamento. — Ei! Você esqueceu isso!
Ele se virou e semicerrou os olhos, confuso.
— Suas sacolas — expliquei, entregando-as a ele. — Você as esqueceu.
— Você pode ser demitida.
— O quê?
— Por roubar essas coisas.
Hesitei por um instante, um pouco confusa por ele ter pensado que eu havia roubado a comida.
— Eu não roubei. Paguei por elas.
A perplexidade tomou conta de seu olhar.
— Por que você faria isso? Você não sabe nada sobre mim.
— Sei que está tentando cuidar da sua mãe.
Ele ficou em silêncio por um momento. Em seguida, assentiu.
— Vou pagar por isso.
— Não, não se preocupe. — fiz que não com a cabeça. — Não foi nada.
Ele mordeu o lábio inferior e passou a mão pelos olhos.
— Eu vou pagar. Mas... obrigado. Obrigado... humm... — seus olhos se desviaram para o meu peito e, por um segundo, senti certo desconforto, até que percebi que ele estava lendo meu nome no crachá. — Obrigado, Demi.
— De nada. — ele se virou e voltou a caminhar. — E você? — gritei em sua direção.
— O que tem eu?
— Qual é o seu nome?
Hunter?
Gus?
Travis?
Mikey?
Ele definitivamente poderia se chamar Mikey.
— Joseph — respondeu e continuou andando, sem olhar para trás.
Mordi a gola da camisa, era um péssimo hábito, e minha mãe sempre gritava comigo quando eu fazia isso. Mas ela não estava ali, e eu sentia um friozinho no estômago.
Joseph.
Pensando bem, Joseph também combinava com ele.

***


Ele voltou alguns dias depois para me pagar. Então, começou a aparecer toda semana para
comprar pão, macarrão instantâneo ou chicletes. Sempre vinha ao meu caixa. Em algum
momento, nós começamos a conversar enquanto eu registrava os itens. Descobrimos que o
meio-irmão dele estava saindo com a minha irmã, e que os dois estavam juntos havia séculos. Um dia, ele quase sorriu. Outro dia, eu podia jurar que o vi sorrir de fato. Nós meio que nos tornamos amigos e passamos das rápidas trocas de palavras para conversas mais longas.
Quando eu saía do trabalho, encontrava-o sentado na calçada do estacionamento, esperando por mim, e conversávamos ainda mais.
Ficamos bronzeados sob o sol ardente. Saímos todas as noites sob as estrelas.
Conheci meu melhor amigo na fila do caixa de uma mercearia.
E minha vida nunca mais foi a mesma.

estou de volta com o prólogo e aí o que acharam?
Joseph vai parecer um pouco estranho no começo mas às coisas irão mudar.
eles serão muito amigos e com o tempo se reaproximarão.
não vou contar muito para não perder a graça não é? hahaha.
me digam o que acharam e comentem aqui embaixo.
respostas do capítulo anterior aqui.

6 comentários:

  1. Adorei!!! Posta logo!!! Parece que vai ser mara!!!

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    1. Vai ser mara mesmo e eu estou muito animada para postar essa história, pois acho que uma das melhores que postarei aqui.
      Vou postar mais hoje.
      Beijos, Jessie.

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  2. Porraaaaaaq ta foda dmmms

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    1. Fico muito feliz que tenha gostado amor.
      Vou postar mais hoje.
      Beijos, Jessie.

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  3. Respostas
    1. Se prepara que você irá ficar mais jogada com os próximos capítulos hahahaha
      Vou postar mais hoje.
      Beijos, Jessie.

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