19/08/2016

breathe: capítulo 3


— Nossa, como demoraram a chegar! — reclamou Starla, sorrindo, ao aparecer na porta da frente. Não esperava que ela e David fossem nos receber, mesmo sabendo que eles não nos viam há muito tempo e moravam a apenas cinco minutos da nossa casa. 
— Vovó — gritou Elizabeth enquanto eu abria o cinto da cadeirinha. Ela pulou do carro e correu, muito feliz, para a avó. Starla pegou a neta no colo e a levantou para dar um abraço apertado. — Voltamos, vovó! 
— Eu sei! Estamos muito felizes — disse Starla, beijando o rosto de Elizabeth. 
— Cadê o vovô? — perguntou, referindo-se a David. 
— Tem alguém me procurando? 
David saiu da casa. Ele aparentava ter bem menos que 65 anos. Sempre achei que Starla e David nunca iriam envelhecer, pois eram bem mais ativos do que qualquer pessoa da minha idade e tinham o espírito muito jovem. Uma vez, tentei correr com Starla durante trinta minutos e quase morri. E ela ainda me disse que aquilo era só um quarto do que corria normalmente. David tirou Elizabeth do colo da esposa e jogou-a para cima. 
— Ora, ora, ora, quem está aqui? 
— Sou eu, vovô! Elizabeth — ela riu. 
— Elizabeth? Não pode ser. Você é muito alta para ser a minha pequena Elizabeth. 
Ela balançou a cabeça e disse: 
— Sou eu, vovozinho 
— Bem, acho que preciso de uma prova. Minha pequena Elizabeth sempre me dava beijos especiais. Sabe como são? — Elizabeth encostou o nariz de leve nas bochechas dele, como se desse beijinhos de esquimó em seu rosto. — Meu Deus, é você mesmo! O que estamos esperando? Trouxe picolés de várias cores para você. Vamos entrar! 
David olhou para mim e piscou carinhosamente. Os dois correram para dentro, e eu parei por um segundo para olhar tudo à minha volta. 
A grama estava alta, cheia de ervas daninhas e dentes-de-leão, que, segundo Elizabeth, fazem nossos desejos se tornarem realidade. A cerca que começamos a construir para evitar que ela invadisse a rua ou o bosque nos fundos da casa ficou pela metade, pois Zachary não teve tempo de terminá-la. 
As tábuas brancas de madeira estavam arrumadas numa pilha ao lado da casa, esperando alguém completar a tarefa. Olhei para o quintal e para as árvores que demarcavam nossa propriedade. Atrás da cerca havia um grande bosque. Parte de mim queria correr ali, se perder naquela mata por horas. 
Starla se aproximou de mim e me envolveu num abraço bem apertado. Praticamente desmoronei junto dela. 
— Como você está? — perguntou. 
— Ainda de pé. 
— Pela Elizabeth? 
— Sim, pela Elizabeth. 
Starla me abraçou mais uma vez. 
— O jardim está uma bagunça. Ninguém veio aqui desde... — ela não conseguiu terminar, e o sorriso desapareceu de seu rosto. — David disse que vai cuidar de tudo. 
— Não precisa. De verdade. Posso cuidar disso. 
— Demi... 
— É sério, Starla . Eu quero fazer isso, quero reconstruir. 
— Bom, se você quer mesmo... pelo menos não é o pior jardim da vizinhança — brincou ela, olhando para a casa do meu vizinho. 
— Tem gente morando aí? — perguntei. — Achei que o Sr. Rakes nunca conseguiria vender a casa depois daquela história de que o lugar era mal-assombrado. 
— Pois é. Alguém finalmente a comprou. E olha, não sou de fazer fofoca, mas o cara que mora aí parece meio estranho. Já ouvi dizer que ele está fugindo de alguma coisa que aprontou no passado.
— É mesmo? Acham que ele é um criminoso? 
Starla deu de ombros. 
— Marybeth disse que ouviu falar que ele esfaqueou uma pessoa. E Gary me contou que ele matou um gato que não parava de miar. 
— Ah, não! Era só o que me faltava: ter um vizinho psicopata
— Ah, tenho certeza de que você vai ficar bem. Você sabe, são só fofocas de cidade pequena. Duvido que sejam verdade. Mas ele trabalha na loja do Henson, aquele excêntrico, então não deve ser muito certo da cabeça. Não se esqueça de trancar as portas à noite. 
O Sr. Henson era dono da loja Artigos de Utilidade no centro da cidade, e era uma das pessoas mais esquisitas de que já tinha ouvido falar. Mas eu só conhecia sua excentricidade pelos comentários dos outros. 
Os moradores locais adoravam fofocar e ter uma vida típica de cidade pequena. As pessoas estavam sempre ocupadas, mas ninguém fazia absolutamente nada. 
Olhei para o outro lado da rua e vi três pessoas cochichando enquanto pegavam as correspondências na caixa de correio. Duas mulheres caminhavam depressa, passando na frente da minha casa, e eu as ouvi falar do meu retorno, elas sequer me cumprimentaram ou acenaram, mas fizeram comentários sobre mim. Na esquina, vi um pai ensinando uma menininha a andar de bicicleta pela primeira vez sem as rodinhas. Pelo menos foi isso que pensei. 
Dei um leve sorriso. A vida numa cidade pequena era tão clichê. Todo mundo sabia da vida de todo mundo, e as notícias corriam rápido. 
Starla sorriu e me trouxe de volta à realidade. 
— Bem, trouxemos coisas para fazer um churrasco. Também abastecemos a geladeira, e você não precisa se preocupar em fazer compras por, pelo menos, uma ou duas semanas. E já colocamos os cobertores no telhado para assistirmos aos fogos, que devem começar daqui a pouco... — o céu se iluminou de azul e vermelho. — Começou! 
Olhei para cima e vi David se acomodando no telhado com Elizabeth nos braços, gritando: 
— Veja! Ah... — dizia ela cada vez que um dos fogos explodia. — Vem, mamãe! — chamou Elizabeth, sem tirar os olhos do céu colorido. 
Starla passou o braço pela minha cintura e me conduziu até a casa. 
— Depois que Elizabeth dormir, tenho algumas garrafas de vinho guardadas para você. 
— Para mim? — perguntei. 
— Para você. Bem-vinda de volta ao lar, Demi — disse ela, sorrindo. 
Lar
Eu me perguntei quando aquela pontada no peito iria desaparecer. 


***


David foi colocar Elizabeth na cama e, como estava demorando mais do que o normal, decidi dar uma olhada neles. Toda noite ela dava trabalho para dormir, e eu tinha certeza de que estava fazendo o mesmo com o avô. Fui até o corredor na ponta dos pés e não a ouvi gritando, o que já era um bom sinal. Espiei dentro do quarto e vi os dois estirados na cama, dormindo, o pé de David do lado de fora do colchão. 
Starla deu uma risadinha bem atrás de mim. 
— Não sei quem está mais animado com o reencontro, David ou Elizabeth. 
Ela me levou até a sala, e lá nos sentamos diante das duas maiores garrafas de vinho que já tinha visto na vida. 
— Você está querendo me embebedar? — eu ri. 
— Se isso fizer você se sentir melhor, sim — respondeu ela, sorrindo. 
Sempre fomos muito próximas. Depois de ser criada por uma mãe instável, conhecer Starla foi um verdadeiro bálsamo. Ela me recebeu de braços abertos e sempre me tratou muito bem. Quando descobri que estava grávida, ela chorou mais do que eu. 
— Estou me sentindo péssima por ter ficado tanto tempo longe — falei, bebendo um gole e olhando na direção do quarto da Elizabeth. 
— Querida, sua vida virou de cabeça para baixo. Quando tragédias acontecem e há crianças envolvidas, ninguém consegue raciocinar direito. Agimos da forma que nos parece ser a mais correta. Você só tentou sobreviver e fez o melhor que pôde. Não fique se culpando por isso. 
— Eu sei, mas acho que saí correndo daqui por minha causa, não por Elizabeth. Ela sentiu falta de tudo — meus olhos se encheram de lágrimas. — E eu deveria ter visitado você e David. Deveria ter ligado mais. Sinto muito, Starla. 
Ela colocou as mãos no meu joelho. 
— Querida, escute. São dez e quarenta e dois da noite, e a partir deste minuto você vai parar de se culpar. Trate de se perdoar, porque tanto eu quanto David compreendemos tudo. Sabemos que você precisava de um tempo. Não sinta como se devesse nos pedir perdão, você não nos deve nada. 
Sequei as lágrimas que continuavam a cair e retruquei, envergonhada: 
— Droga de lágrimas. 
— Sabe o que faz com que elas parem de cair? — perguntou Starla. 
— O quê? 
Ela colocou mais vinho na taça. Mulher inteligente
Ficamos conversando e bebendo por horas, e quanto mais vinho, mais risadas. Eu tinha me esquecido de como era gostoso rir. Ela perguntou sobre minha mãe, e não consegui disfarçar minha expressão de desgosto. 
— Ela ainda está perdida, andando em círculos e repetindo os mesmos erros. Às vezes, me pergunto se as pessoas chegam a um ponto em que não conseguem dar a volta por cima. Acho que isso pode ter acontecido com ela, e não sei se ela vai conseguir mudar. 
— Você ama sua mãe? 
— Sim, sempre. Mesmo quando não gosto dela. 
— Então, não desista. Mesmo que você precise ficar longe por um tempo. Continue amando-a e acreditando nela, mesmo que a distância. 
— Como você se tornou tão sábia? — perguntei. Ela sorriu, levantou a taça na minha direção e colocou mais vinho. Mulher muito inteligente. — Você poderia tomar conta da Elizabeth amanhã? 
Queria ir até a cidade procurar um emprego. Talvez perguntar ao Matty se ele não precisa de uma ajudinha no café. 
— Que tal se nós ficarmos com ela durante o final de semana? Seria ótimo se tirasse uns dias só pra você. Podemos retomar nossa tradição de ficar com ela todas as sextas. Até porque não acredito que David vá largá-la tão cedo. 
— Vocês fariam isso por mim? 
— Faremos o que você precisar. Além do mais, todas as vezes que vou ao café, Selena pergunta: “Como vai minha melhor amiga? Ela já voltou?” Então acho que ela adoraria passar um tempo com você. 
Não via Selena desde a morte de Zachary. Naquela época, conversávamos quase todos os dias, mas ela entendeu que eu precisava de um tempo para mim. Sabia que ela entenderia que eu precisava da minha melhor amiga para começar essa nova fase. 
— Sei que talvez não seja o melhor momento, mas você pensou em reabrir seu negócio? — perguntou Starla. 
Zachary e eu tínhamos uma empresa de design, a Dentro & Fora, que abrimos há três anos. Ele reformava a parte externa das casas, enquanto eu fazia projetos de decoração de interiores para residências e empresas. Tínhamos uma loja no centro de Meadows Creek, e essa fase foi, com certeza, uma das melhores da minha vida. Mas, na verdade, eram as habilidades de Zachary que sustentavam o negócio, ele era formado em administração de empresas. Eu nunca conseguiria cuidar daquilo sozinha. Ter um diploma de designer de interiores em Meadows Creek significava trabalhar em uma loja de móveis vendendo cadeiras absurdamente caras. Era isso ou voltar aos tempos da faculdade e trabalhar como garçonete. 
— Não sei. Provavelmente não. Acho que não consigo cuidar de tudo sem Zachary. Só preciso arrumar um emprego fixo e abrir mão desse sonho. 
— Entendo, mas não tenha medo de sonhar com coisas novas. Você é muito competente, Demi, e não deve desistir do que te faz feliz. 
Depois que Starla e David foram embora, me atrapalhei toda para fechar os trincos da porta da sala, os quais Zachary deveria ter trocado há tempos. Bocejando, parei na porta do meu quarto. A cama estava arrumada, mas não tive força suficiente para entrar. Parecia uma traição deitar na cama e fechar os olhos sem ele ao meu lado. 
Uma respiração de cada vez
Um passo
Entrei e escancarei a porta do armário. As roupas de Zachary estavam penduradas. Passei as mãos por elas antes de começar a soluçar. Arranquei tudo dos cabides e joguei no chão, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Abri as gavetas e tirei o restante das coisas: calças jeans, camisetas, roupas de ginástica, cuecas. Tudo que pertencia a Zachary estava no chão. Deitei sobre a pilha de roupas e fiquei inspirando seu cheiro, fazendo de conta que ele ainda estava ali. Sussurrei seu nome, como se ele pudesse me ouvir, e me agarrei às lembranças de seus beijos e abraços. Lágrimas de dor brotavam do meu coração destroçado e, ao segurar sua camisa favorita, me afundei ainda mais em meu sofrimento. Chorei como louca, como uma criatura que sentia uma dor inimaginável. A dor tornou meus olhos inchados e vazios. Tudo em mim doía, tudo estava destruído. E, à medida que o tempo passava, eu ficava ainda mais cansada dos meus próprios sentimentos. Adormeci profundamente, vítima da serenidade nascida da minha terrível solidão. 
Quando abri os olhos, ainda estava escuro lá fora. Uma linda garotinha estava deitada ao meu lado com Bubba. Um pedacinho pequeno de seu cobertor a cobria, enquanto a maior parte estava sobre mim. Sempre que uma coisa assim acontecia, eu me sentia um pouco como minha mãe. Eu me lembrava de quando tive que cuidar dela e abrir mão da minha infância. Isso não era justo com Elizabeth. Ela precisava de mim. Eu me aconcheguei ao seu lado, beijei sua testa e prometi a mim mesma que não desabaria novamente.

Aí gente a Demi está sofrendo tanto :( Os pais de Zachary são uns fofos!!! Gostaram?
Comentem e até o próximo!!!
bjs lindonas <3
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