10/01/2018

begin again: capítulo 34


Charlotte

Duas semanas depois, eu me mudo para um apartamento compartilhado, carregando meus pertences por escadas sem-fim até chegar a um pequeno quarto com vista para um pátio interno. Incluindo latas de lixo, bicicletas abandonadas e um gato residente, o lugar tinha todos os elementos para garantir uma noite em claro. No entanto, não são tampas de lixeira batendo ou gatos guinchando que me deixam acordada, mas um colchão estranho e a falta de calor de um outro corpo. Para não mencionar o processo de pensamento hiperativo que simplesmente não cala a boca. Fico deitada no escuro e faço planos, determinada que seja apenas um recurso improvisado. Não posso viver como uma eterna estudante.
A semana seguinte é gasta em todas as coisas ruins nas quais a gente nunca pensa antes de se mudar: alterar meu endereço em tudo e mais um pouco, fechar contratos de prestação de serviço e encontrar forças para telefonar aos meus pais e dar a notícia. Quando finalmente consigo, acabo tendo que me inclinar na janela para conseguir sinal.
– Demetria, que ótimo que você ligou. – minha mãe está com aquele tom “temos visita” na voz. Está exagerando o entusiasmo. – Como vai, querida?
Quase posso imaginar o que ela está vestindo: alguma variação nos conjuntos de blazer e saia que ela sempre escolhe quando dá um jantar. Deve ter passado no cabeleireiro à tarde para lavar e secar, possivelmente, enquanto os bifes ficaram marinando na geladeira. Sobremesas foram compradas na delicatéssen local, porque no momento em que os convidados chegarem a ela, não vão notar que não foram feitas em casa. Mesmo que notem, vão estar muito alegres depois do vinho de sabugueiro do meu pai para se importarem.
– Estou bem. Escuta, mãe...
– E Simon, como está Simon? – ela sempre foi fã dele.
– É por isso que estou ligando.
– Ele está bem? O que aconteceu? – um toque de alarme envolve suas palavras.
– Não é nada disso. Decidimos nos separar. Eu queria passar meu novo endereço a vocês. – Sabe, para o caso de vocês quererem me fazer uma visita, adiciono em silêncio. Chance enorme.
Um silêncio longo e pesado, seguido de um suspiro profundo.
– Ai, Demetria. O que você fez?
Se eu viver até os 80 anos, ainda vou me sentir como essa criança pequena que nunca correspondeu às expectativas dos pais. Largo o corpo na cama e esfrego o rosto com a palma da mão. Por que tudo tem de ser culpa minha? Nenhuma menção do papel de Simon em nada disso.
– Foi uma decisão mútua. Nós dois concordamos que era melhor assim.
Há uma pausa por um instante, como se ela estivesse tentando absorver minhas palavras.
– Imagino que você vai querer voltar para casa como a filha pródiga – diz ela, irritada. – Vou ter que mexer com todos os meus cadernos. Acabamos de nos livrar da sua cama.
– Não quero voltar para casa – suspiro. – Você não precisa mexer com nada. Encontrei um lugar temporário para morar e estou procurando algo permanente. – esfrego a cabeça, tentando acalmar a dor aguda e latejante por trás da minha testa.
– Bem, tenho certeza de que você e Simon vão resolver o problema. – ela baixa a voz. – Basta usar uma saia curta e apelar aos instintos básicos dele. Isso é o que sempre faço com seu pai...
– Mãe! – não sei o que é mais terrível. O fato de que ela está tentando dar uma de cafetina para cima da própria filha, ou a súbita visão que tenho dela dançando em volta do meu pai. – De qualquer forma, é melhor eu deixar você voltar para os convidados. Tenha uma noite agradável.
– Como você... ah, sim. Mas precisamos falar sobre você e Simon...
Desligo antes que ela possa compartilhar mais sabedoria. Meu dever está feito, ela não vai ligar para a casa de Simon e levar um grande choque. Mentalmente, risco essa tarefa da minha lista com um floreio, respirando fundo para me acalmar.

***

Ganho vida sempre que estou perto de Joseph. Como um daqueles vídeos stop motion em que a gente vê uma flor desabrochando numa cena acelerada. Aberta e brilhante como se ele fosse o sol da primavera. Mesmo quando as crianças correm para a sala de aula com sua tagarelice animada e seus passos barulhentos, ainda sinto a força que me atrai para Joseph.
Ele está na frente da classe, falando sobre a noite estrelada de Van Gogh. Há intensidade em seus olhos quando ele menciona o amarelado das estrelas e o azul-escuro do céu. Ele convida as crianças a sair e olhar para o céu esta noite, e se lembrar que é o mesmo céu que Vincent viu tantos anos atrás. Olho ao redor da sala, espantada com a forma como as crianças estão atentas a cada palavra dele.
Todas, exceto uma.
Cameron Gibbs cruza o olhar comigo e fica me olhando, depois dá uma piscadela exagerada. Demora um minuto para eu me dar conta de que ele quer me dizer alguma coisa. Ainda mais tempo para entender que ele quer falar comigo em particular. Sinto o pulso acelerar assim que percebo que ele só pode ter uma coisa a me dizer, depois do favor que lhe pedi.
Joseph ainda está explicando como Van Gogh pintava quando estava internado no asilo psiquiátrico, um fato que faz as crianças mal piscarem e percebo que só há uma coisa a fazer.
– Cameron, você pode me ajudar a pegar algumas coisas no armário de materiais? – pergunto.
Joseph interrompe o discurso e olha para mim.
– Eu posso ajudar.
Em qualquer outro momento, eu teria aceitado a oferta logo de cara, porém, estou ansiosa para ouvir o que Cameron tem a dizer.
– Não tem problema, pode continuar. Só vai levar um minuto.
Quando chegamos ao armário, deixo a porta aberta para que não levantar suspeitas. Significa que temos de falar em voz baixa, mas vale a pena apenas para descobrir qual é a notícia. Há uma expressão de satisfação no rosto de
Cameron, como se ele soubesse que tem todas as cartas.
– O que foi?
– Descobri algumas coisas.
O que pensei que fosse presunção, na verdade é orgulho. Derrete um pouco meu coração.
– Sobre Charlotte? O que aconteceu?
– Eu vi aquele cara zanzando por lá. Aquele com o cabelo penteado pra trás e jaqueta de couro. O rosto que parece feito de papel machê.
Meu estômago despenca. Parece ser Darren. Ele deve ter tido problema com acne quando era jovem, porque seu rosto é crivado de pequenas crateras.
– Onde você o viu? – meu tom é urgente. Preciso saber se Charlotte está em perigo. – Você sabe se ele entrou no apartamento?
Cameron enruga o nariz e pensa.
– Não, eu vi o cara perto do parque. Vendendo as coisas dele, fumando com os amigos. – seu rosto se ilumina como se ele tivesse acabado de pensar em uma ideia brilhante. – Eu poderia ficar seguindo ele da próxima vez, como um daqueles detetives. Sou liso, sigo de fininho, ele não vai nem perceber.
O medo me arrepia até o âmago.
– Não! – sussurro quase gritando, meus olhos arregalados. – Ele é perigoso. Se ele pensar que você estava procurando por ele, ele vai ficar louco da vida. – como fui idiota, envolvendo uma criança em algo tão tolo. Sinto náusea com o pensamento de Cameron ser ferido por Darren. – Não chegue perto dele.
Ele olha para mim como se eu fosse louca.
– Eu não iria deixar que ele me visse.
– Cam – estendo a mão e aperto seu ombro –. Muito obrigada por cuidar da Charlotte. Você é um bom menino, mas não preciso que você continue vigiando. Está ótimo.
– Tem certeza? Eu não me importo. – ele quase parece decepcionado. Meu peito se aperta ainda mais quando percebo que ele acha que isso é um jogo. Algo para fazer quando ele fica entediado de jogar bola com os amigos. Se digo a ele o quanto Darren pode ser perigoso, ele vai ver a coisa toda como um desafio.
– Imagina, acho que você já me pagou duas vezes. Não quero acabar te devendo. – faço uma expressão de horror de mentirinha, esperando que ele não possa enxergar atrás dela.
– Acho que não. – Cameron dá de ombros. – Faz do seu jeito, então. Contanto que a gente fique quite?
– Estamos quites. – aceno com a cabeça. – Definitivamente.
Eu o dispenso com algumas caixas velhas de revistas que precisam ser recicladas, orientando-o para o a lixeira grande nos fundos da clínica. Quando volto para a frente da sala, Joseph me chama a atenção e inclina a cabeça.
– Tudo bem? – ele diz, movendo a boca, sem som.
Embora esteja muito longe de estar tudo bem, mostro um breve sorriso antes de concordar. Ainda não estou pronta para compartilhar isso, não até que eu pense nas implicações. Meus olhos gravitam na direção de Charlotte, que está dando batidinhas com tinta dourada no papel preto que Joseph lhes entregou, criando sua própria versão de Noite estrelada. As mangas estão arregaçadas, o suficiente para eu ver seus braços pálidos e sem marcas vermelhas ou hematomas. Verifico o resto da pele exposta: face, pescoço e pernas magras, mas não há nada para me preocupar.
Ela parece uma menina de 8 anos normal. Tão normal quanto sempre vai poder ser.
Claro, pode haver todos os tipos de horrores escondidos debaixo das roupas, ou pior ainda, sob a pele. Ando até ela e fico atrás, admirando seu trabalho. Charotte se vira e sorri para mim.
– Gostou?
– Está lindo. Aposto que sua mãe vai adorar. Ela pendura suas pinturas na cozinha? – tento imaginar o apartamento sombrio, esperando que a bagunça lá dentro há muito tenha sido limpa.
– Talvez. – seu rosto se ilumina como se eu tivesse sugerido algo para mudar o mundo. – Vou perguntar pra ela. A gente poderia prender na parede.
– Ou colocar no seu quarto novo? – sugiro.
Sua expressão fica sombria.
– A gente ainda não pintou. Minha mãe diz que vai pintar logo, logo.
– Imagino que você tenha ficado muito ocupada com a decoração. É bom estar em casa?
Charlotte confirma com a cabeça.
– Minha mãe me deixa ficar acordada até tarde e assistir TV.
Engulo em seco.
– E você falou com seus amigos? Imagino que eles ficaram contentes em te ver.
– Falei, é legal brincar no parque com eles.
O parque fica numa das extremidades do condomínio. É o mesmo lugar onde Darren tem rondado, passando droga para crianças.
– Você vai sempre ao parque?
Ela encolhe os ombros.
– Se o tempo está bom. Caso contrário, vamos na casa da Shona e jogamos Xbox.
– E sua mãe? Ela vê muito os amigos dela?
Um olhar inexpressivo. Charlotte se vira e acrescenta mais um pouco de tinta nas suas estrelas.
– Não sei. – eu me repreendo por ser tão óbvia. Ela deve pensar que sou louca, disparando tantas perguntas.
– Bem, talvez todos nós possamos sair e fazer alguma coisa legal em breve. Ir ao cinema ou algo assim?
Charlotte para de pintar novamente e olha para cima com um sorriso.
– Eu iria gostar – diz ela.
Eu também. Não digo, mas ela sabe. Já estou pensando em como posso trazer à tona o assunto de Darren e Daisy, sem deixar Charlotte na defensiva. A última vez em que a vi foi do lado de fora do prédio da assistência social, comemorando o retorno da filha. Será que ela realmente desistiria de tudo, colocaria tudo em perigo por causa de um canalha como ele?
Durante o resto da tarde, deixo Joseph assumir a liderança, enquanto fico sentada à mesa e tento pensar nas coisas. Minha mente parece cheia de algodão- doce: mole e pegajosa. Encontrar clareza é quase impossível. De vez em quando, Joseph olha para mim, e acho que deve haver alguma coisa na minha expressão que o preocupa. Mais de uma vez, seu olhar se transforma e se torna tão intenso que parece ver através de mim.
Não tenho a menor ideia do que fazer. Meu primeiro instinto é correr para o condomínio, pegar Darren Tebbit pelo colarinho e enchê-lo de porrada. Mas isso nunca vai acontecer. Vou acabar largada no fundo de uma vala em algum lugar. Eu poderia fazer uma visita à Grace, a assistente social, e contar a ela sobre os avistamentos. Mas assim que ela começar a me questionar e descobrir que estou confiando na palavra de um garoto de 13 anos, que já foi preso recentemente, ela vai acabar rindo e me colocando para fora da sala dela. Se falar que eu, na verdade, pedi a esse menino para ficar de olho em um criminoso e ainda não consigo acreditar que fiz isso, ela provavelmente iria surtar. Não importa o que eu faça, não posso enxergar uma boa solução para tudo isso.
– Um tostão por eles?
– Eu não quero te depenar. Meus pensamentos não valem tanto assim.
Joseph levanta as sobrancelhas.
– Você andou a quilômetros de distância durante toda a tarde. Perdeu uma encenação horrível e divertida do corte na orelha de Van Gogh.
Meu riso soa fora de tom até mesmo para mim.
– As crianças adoram um pouco de sangue. Talvez devêssemos tornar um pré- requisito que todos os artistas cortem fora uma parte do corpo. – olho-o nos olhos. – Exceto a presente companhia, é claro.
Ele sorri, mas não chega a atingir os olhos. Joseph está muito ocupado me observando com preocupação.
– Cameron Gibbs te contou alguma coisa?
Joseph é mais perspicaz do que eu achava. Maldito seja.
– Não foi nada disso. Ele não estava enchendo o saco, nem nada. Apenas pedi a ele para ficar de olho na Charlotte e ele estava relatando o que viu.
Joseph parece mais confuso do que nunca.
– Ficar de olho nela? Por quê?
A tentação de despejar tudo é esmagadora. Estou desesperada para compartilhar essa informação com alguém. Mas acho que metade é confidencial, e a outra metade passa uma impressão terrível a meu respeito.
– Nem sei por onde começar. – quando olho para cima, Charlotte está vindo até
nós, segurando a pintura para eu ver. A ação silencia efetivamente qualquer conversa que possamos ter a respeito dela, mas não sinto o alívio que esperava.
Em vez disso, sinto uma pontada de arrependimento. Quero ouvir o que Joseph tem a dizer, porque sua opinião é importante para mim.
Então, quando ele vira e balbucia “depois”, eu me vejo concordando com um movimento de cabeça.

será que Darren voltou? e será que o Cameron irá ver algo mais?
a mãe da Demi ama o Simon e não quer ver eles separados.
o que eu posso dizer é que virá emoções daqui para frente.
espero que tenham gostado amores.
me digam o que acharam nos comentários.
respostas do capítulo anterior aqui.

2 comentários:

  1. eu amei!!! a mae da Demi é nojenta; e o pai deve ser assim tb. to começando a amar Joe! ❤

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  2. Que bom que gostou amor, a família da Demi é bem complicada.
    Logo a Demi e o Joseph estarão juntos.
    Vou postar mais hoje.
    Beijos, Jessie.

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