19/05/2016

sussurros na noite: capítulo 30


A cortesia demonstrada pelos detetives Cagle e Flynn não enganou Selena nem por um instante. Eles estavam sentados na sala de estar, no dia seguinte ao funeral de Marie, e tentavam fazer com que ela se incriminasse pelo assassinato da bisavó.
— Tenho certeza de que a senhorita entende porque ficamos tão desapontados - Flynn estava dizendo. — Isto é, se Demi matou a Sra. Lovato, por que iria limpar as impressões digitais da arma, e depois ”esconder” o revólver num lugar em que a polícia não deixaria de ver? As impressões digitais em sua própria arma não poderiam incriminá-la. Mas foi a arma que a incriminou, pois disparou o tiro que matou a Sra. Lovato.
—  Eu já lhe disse que não sei a resposta para isso - Selena falou. 
— Demi afirmou que a arma ainda estava no local onde ela a escondera, e não sob o colchão, na manhã seguinte à morte da Sra. Lovato. Ela havia verificado pessoalmente. A senhorita acha que alguém mais teria posto a arma debaixo do colchão?
— Quem? - Selena retrucou, irritada. — Os criados tinham sido mandados para casa, por ordem sua. As únicas pessoas que estavam aqui naquela manhã, e que não trabalhavam para vocês, eram Nicholas Parker e Demi, meu pai e eu, e Gary Dishler.
— Esta é a parte que mais nos confunde - Cagle intercedeu. 
— É mesmo, não é? - Selena falou, com uma ponta de ironia.
— É óbvio que vocês não acreditam que Nicholas Parker ou Demi pudessem ser os culpados. — Parker é um agente do FBI e não tinha motivos. Sua irmã tem uma ficha impecável como oficial da polícia, e estava trabalhando para ele. Acredite, Srta. Lovato, se isso tudo não fosse verdade, a sua irmã estaria correndo sérios riscos de passar o resto da vida na prisão. Agora, vejamos com quem isso nos deixa... quem tinha um motivo para querer ver sua bisavó morta e Demi na cadeia, e quem estava aqui para remover a arma e deixá-la sob o colchão? 
Selena levantou-se, dando a conversa por encerrada, e encaminhou-se para Nordstrom, que perambulava pelo vestíbulo. Estava cansada de ser gentil com pessoas que a tratavam tão mal.
— Nordstrom - chamou, friamente. — Por favor, acompanhe estes cavalheiros até a porta, e não deixe de trancá-la depois. E providencie para que eles nunca mais atravessem os nossos portões.
Flynn deixou cair a máscara de amabilidade.
— Podemos conseguir um mandado.  
Selena fez um gesto indicando a porta. 
— Pois consigam, então - disse. — Mas, enquanto isso, façam a gentileza de se retirar, e não voltem mais aqui! 
Quando a porta se fechou atrás deles, Cagle olhou para Flynn com um sorrisinho sarcástico. — Foi um jeito muito bem-educado de dizer ”danem-se”, não foi? 
— É, foi mesmo. E aposto que ela usou da mesma educação quando apontou aquela Glock para o peito da bisavó e puxou o gatilho. 
Mas Selena não se sentia amável ou bem-educada. Estava em pânico. Ficou andando devagar de um lado para outro da sala, tentando pensar em quem poderia ser o assassino. Não estava tão disposta quanto a polícia a descartar Nicholas Parker ou Demi. Não tinha dúvida de que Nicholas era um mentiroso, um canalha, e perfeitamente capaz de usar as pessoas sem a menor piedade. Ele também sabia como usar uma arma e encenar tudo de forma que outra pessoa parecesse culpada. Ele não tinha coração. E havia destruído o seu. O problema era que... ele realmente parecia acreditar que Selena havia cometido aquele crime. 
Demi era tão desonesta e insensível quanto ele. Fingira querer que Selena a considerasse uma irmã de verdade, e depois a iludira a ponto de amá-la como se realmente fosse. Enchera a cabeça de Selena com histórias comoventes sobre sua mãe, e fizera com que ela ansiasse em fazer parte da família que vivia em Bell Harbor. Em retrospecto, era bem fácil perceber que Demi só aceitara o convite para vir a Palm Beach para que pudesse infiltrar um agente do FBI em seu meio, para que ambos destruíssem Joseph. 
Esfregando distraidamente a testa que latejava, Selena repassou o que os detetives haviam dito, e o que insinuaram. Eles pareciam estar absolutamente convencidos de que Demi dizia a verdade, e que a pessoa que escondera a arma debaixo do colchão era a culpada do crime. A polícia estava convicta de que não fora Demi, e nem Nicholas, e Selena sabia que não fora ela mesma, e nem seu pai.
Restava apenas Gary Dishler.
A princípio, a ideia lhe parecera absurda, mas quanto mais ela pensava a respeito, mais se dava conta do quão pouco gostava do assistente. Quando ele começara a trabalhar para Patrick, alguns anos atrás, sua posição como um assistente estivera bem definida, mas agora ele parecia ocupar-se de tudo. Geralmente tratava o patrão com respeito e deferência, mas houve vezes em que Selena o ouvira falar num tom impaciente e brusco, totalmente inadequado ao posto que ocupava. Ela já o vira perder a paciência com uma das arrumadeiras e despedi-la na hora, apenas porque ela mexera em alguns documentos na sua escrivaninha. 
Quanto mais Selena pensava nisso, mais desagradável e detestável Dishler lhe parecia. Não podia imaginar que motivos ele teria para matar Marie, porem não estava completamente segura de que ele seria incapaz disso. 
Patrick estava lendo os cartões de condolências que foram enviados à família no espaçoso escritório do segundo andar, que se ligava de um lado ao quarto dele e, de outro, com o escritório de Gary Dishler. A porta do corredor que dava acesso à sala de Dishler estava aberta, mas a que ligava esta sala com o escritório do pai estava trancada. Selena fechou a porta do escritório com todo cuidado, para que ela e o pai pudessem ter total privacidade.
— Temos um problema - disse, com a maior calma que conseguiu reunir. 
— O que foi? - Patrick perguntou, abrindo outro envelope. Selena sentou numa cadeira em frente à escrivaninha. 
— Você sabe como Gary realmente se sentia a respeito da bisavó? Eu sei que ela era grosseira com ele, de vez em quando.
— Ela era grosseira com todo mundo, de vez em quando - Patrick salientou, filosófico. — O que isso tem a ver com Gary? 
Selena respirou fundo, tomando coragem.
— A polícia esteve aqui, há pouco. Eles acreditam que quem quer que tenha escondido a arma de Demi debaixo do colchão foi a mesma pessoa que matou bisavó. E estão convencidos de que não foi Demi, e muito menos Nicholas.
— Não se envolva com isso, Selena. Você vai ficar louca se tentar destrinchar esta história. Deixe que a polícia cuide de tudo. 
— Acho que não podemos nos dar ao luxo de não nos envolvermos. 
Patrick olhou para cima, franzindo a testa.
— Por que não?
— Porque a polícia já está convencida de que eu cometi o crime. Eu tinha os melhores motivos, e a melhor oportunidade.
— Ora, isso é ridículo! É loucura!
— Maior loucura seria ir para a cadeia por um crime que não cometi, embora isso aconteça o tempo todo. Só existe uma pessoa que poderia ter removido aquela arma na manhã seguinte à morte de bisavó, e é Gary Dishler. Com exceção de Nicholas, Demi, você e eu, ele foi a única pessoa que a polícia permitiu que ficasse na casa, depois que o corpo dela foi encontrado. Não foi você quem a matou, e nem eu. Isso nos deixa apenas Gary. 
Uma estranha expressão perpassou o rosto de Patrick, quando ela terminou de falar, uma expressão que era quase de medo. Porem, desapareceu tão depressa que Selena não teve certeza se realmente havia visto.
— A polícia nem mesmo se deu ao trabalho de interrogá-lo, e eu acho que vou acabar sendo presa. Estou pensando que deveríamos contratar um detetive particular, ou algo assim. E devíamos também ter um advogado a postos. 
A raiva, e não o medo, estava estampada na face de Patrick quando Selena se levantou e disse: 
— Você vai pensar nisso? 
Ele assentiu rapidamente, e Selena saiu do escritório. Estava descendo a escada quando ouviu uma porta bater, então voltou-se e tornou a subir os degraus, correndo. A porta do escritório de Patrick ainda estava aberta, mas a da sala de Dishler, que dava para o corredor, agora estava fechada. Selena quase emitiu um gemido, ao pensar que Dishler seria a pessoa incumbida de contratar os detetives e conseguir um advogado para ela. Então, deu-se conta de que seu pai parecera zangado o bastante para confrontar-se com Dishler e tentar arrancar-lhe toda a verdade. 
O medo que sentiu pela segurança de seu pai fez com que Selena violasse os preceitos de uma vida inteira. Correu para o escritório dele, fechou a porta e inclinou-se sobre a mesa, pegando o telefone. Pressionou a tecla do número da extensão de Gary, e ele atendeu imediatamente
— O que foi? - perguntou, ríspido.
— Gary? Ah, me desculpe - Selena falou e, com todo cuidado, continuou apertando a tecla número três do aparelho do escritório de seu pai, que possibilitava o monitoramento dos cômodos. — Eu queria ligar na cozinha. 
— O número da extensão da cozinha é o trinta e dois - ele disse antes de desligar. 
Gary havia escolhido aquele novo sistema de interfones, e lhe mostrara como utilizar o programa de monitoramento dos cômodos quando Patrick se recuperava do ataque cardíaco. Agora, Selena colocava em prática o que aprendera, só que para um uso diferente. A conversa no escritório de Gary podia ser ouvida pelo ”viva-voz” no aparelho de telefone, e Selena escutava com uma crescente sensação de incredulidade e surpresa, que aos poucos se transformou em puro terror. 
— Já lhe disse para manter a calma, Patrick! - Dishler avisou, num tom de voz que Selena nunca o ouvira usar. — O que está dizendo? 
— Você ouviu muito bem o que eu disse. Minha filha acabou de me informar que provavelmente será presa pelo assassinato de Marie.
— A que filha você está se referindo? - Dishler indagou, desnecessariamente. 
— Tenho apenas uma filha com quem realmente me importo - Patrick disparou. — E ela acabou de me apresentar um argumento bastante convincente de que foi você quem removeu aquela arma. E isso faz de você o assassino.
Em vez de ouvir Dishler reagir com um protesto veemente, conforme ela esperava, Selena escutou um ruído na cadeira, como se ele estivesse se recostando e, quando falou, foi num tom de voz quase grotesco em sua calma e despreocupação.
— Você está com um sério problema, Patrick, e as pessoas com quem negocia reconheceram este fato no momento em que lhes relatei. Pediram-me para cuidar do problema antes que tudo desmorone, e antes que a avalanche acabe nos destruindo. 
— Que problema? - Patrick inquiriu, mas parecia assustado, na defensiva. 
— Ora, você sabe muito bem qual é o problema - Dishler respondeu, irônico. — O problema é que Marie modificou o testamento antes que um de nós ficasse sabendo. Ela entregou a Demi uma fatia do seu patrimônio, e uma boa parte disto é o Fundo Hanover. A parte de Demi no fundo seria de cerca de quinze milhões de dólares. Mas o Fundo Hanover tem apenas um total de cinco milhões de dólares, porque o curador, que no caso é você, tem extorquido dinheiro há mais de uma década a fim de manter o banco operando e cobrir seus prejuízos em toda parte. Estou correto? 
Após um longo silêncio, Selena ouviu seu pai responder: 
— Eu teria persuadido Demi a deixar o dinheiro no fundo e contentar-se em receber o pagamento dos juros. Já havia convencido Selena a fazer o mesmo... 
Houve uma pancada, como se Dishler batesse com a mão na mesa.
— Demi Lovato não é Selena. Ela é uma policial. Se por acaso decidisse resgatar toda a quantia, e se você não tivesse como lhe pagar, ela iria armar um barulho dos diabos. Este barulho iria envolvê-lo e se espalharia por todos os seus negócios no banco Lovato. E você sabe que seus sócios no banco não podem permitir que isso aconteça.
— Pare de chamá-los de meus sócios! Nós temos apenas um acordo de negócios, e não uma sociedade. Eles me ajudaram quando o banco estava em dificuldades, em troca, concordei em fazer a lavagem do dinheiro para eles no decorrer de todos estes anos. Permiti que pusessem gente deles em uns poucos cargos de confiança no banco, e tolerei a sua presença nesta casa, mas ninguém nunca mencionou assassinato!
— Não havia outra escolha. Se soubéssemos com antecedência que Marie pretendia mudar o testamento para incluir Demi a velha teria morrido de causas aparentemente naturais antes de assinar, e não haveria nenhum problema. - Gary fez uma pausa, antes de juntar: — Infelizmente eu não sabia de nada, até que Wilson saiu daqui com o testamento assinado e testemunhado pelos criados. Eu consultei os seus sócios, que consultaram seus próprios advogados. No final, concluiu-se que a única maneira segura de impedir que alguém como Demi habilitasse a reivindicar sua herança seria dar a impressão de que ela cometera um assassinato a fim de obtê-la. 
Seus sócios aconselharam-me a cuidar deste assunto. 
Selena ouviu o pai praguejar num tom baixo e rouco, e Dishler dizer, indiferente: 
— São apenas negócios, Patrick. Não há nada de pessoal nisso. E o fato de Demi ter uma arma foi providencial. 
A voz de Patrick transformou-se num sussurro derrotado. — Como ficou sabendo? Quando descobriu que ela era da polícia? 
— Um dia antes do falecimento da pobre Marie perguntei à sua filha Demi o que ela achava dos raros tapetes persas da sala. E ela descreveu as cores do tapete Aubusson... deixando claro que não sabia a diferença entre eles. Isso, combinado com o fato de que ela não demonstrava o menor interesse na decoração da casa, deixou-me desconfiado. Foram necessários cinco minutos de pesquisa no computador, e apenas um telefonema, para que eu checasse a verdadeira identidade dela. E seus sócios precisaram de somente quinze minutos para montar um plano e passar-me as instruções. - Com irritação, acrescentou: — Mas eu precisei de trinta minutos para descobrir onde ela havia escondido aquele maldito revólver. Agora, será que podemos encerrar esta discussão tão desagradável? 
No escritório ao lado, Selena ouviu a tensão na voz do pai, quando indagou: 
— E quanto a Selena? Eles irão prendê-la pelo assassinato.
— Ora, Patrick, você sabe que eu jamais permitiria que isso acontecesse. Nós vamos cuidar de Demi ainda esta noite, e o assunto estará encerrado.
— Como?
— Tem certeza de que quer saber? 
Na sala ao lado, Selena prendeu o fôlego, a mão vacilando sobre a tecla que desligaria o interfone. Porem, tinha de saber o que iriam dizer sobre Demi. 
Seu pai devia ter assentido, pois continuou em silêncio, e a resposta de Dishler fez o sangue de Selena gelar nas veias.
— Esta noite, com um pouquinho de persuasão, Demi terá um súbito ataque de culpa e vergonha, e por causa disso irá escrever um bilhete confessando ter matado a bisavó. Depois, dará um tiro nos próprios miolos. As mulheres normalmente não gostam de estragar a aparência quando morrem, mas ela é uma policial. É mais provável que escolha esta saída mais rápida e certeira, você não... 
Selena retirou o dedo da tecla e disparou para fora do escritório, correndo pelo corredor aos tropeços. O quarto de Patrick ficava no final da ala norte da casa, e o dela no final da ala sul. 
Enquanto passava pela escadaria central que levava ao vestíbulo que dividia as duas alas, Selena avistou uma das arrumadeiras cruzando o corredor, carregando uma pilha de lençóis, e diminuiu o passo.
Ainda não sabia exatamente o que iria fazer. Suas emoções tumultuadas bloqueavam todo e qualquer pensamento lógico, exceto por duas coisas vitais: tinha de avisar Demi, e tinha de sair da casa sem que ninguém suspeitasse o que iria fazer, nem para onde estava se dirigindo. 
— Olá, Mary - disse à arrumadeira. — Acabei de me lembrar que tinha hora marcada com... a manicure. Estou com uma pressa tremenda! 
Em seu quarto, Selena pegou a bolsa e as chaves do carro e correu para a porta. Então, lembrou-se de ter guardado o cartão de Nicholas Parker numa gaveta, com a vaga intenção de escrever uma carta de reclamação aos superiores dele sobre a acusação que ele lhe fizera. Encontrou o cartão, mas suas mãos tremiam tanto quando o pegou que o derrubou duas vezes no chão. 
Nordstrom estava no vestíbulo, quando ela desceu. Precisava deixar um recado para seu pai, de forma que ele não desconfiasse de nada quando ela não aparecesse para o jantar naquela noite. Tentou pensar num lugar para onde poderia ir no dia seguinte ao enterro da sua bisavó, e que não suscitasse a desconfiança dele.
— Meu pai está com o Sr. Dishler e não quero incomodá-lo. Diga a ele que... que a Sra. Meade me ligou e vou levar alguns dos meus desenhos para ela ver. Acho que isso irá animar-me um pouco. 
Nordstrom assentiu. 
— É claro, senhorita.   


Finalmente descobrimos o assassino da Marie, que desgraçado esse Gary Dishler! 
O que acharam? 
Comentem, bjs lindonas <3

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